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segunda-feira, 5 de abril de 2010

O Troco

Aprendi algumas coisas com muita gente diferente ao longo da vida. Daqui faço referência às que mais me influenciaram na melhora das maneiras. Mãe, irmão e pai, por motivos diferentes e mais tarde o meu meio-irmão, que não é de sangue mas é família escolhida. A minha tia Titina. A Sra. Dª Maria da Graça Lopes Dias que ainda sonho em oferecer-lhe um ramo de flores enquanto viva. Sabia que o estava há pouco tempo e não consegui falar com ela, acho que por culpa de uma empregada doméstica estúpida. Foi a minha professora de primária e se tiverem o contacto dela, agradeço! O meu primeiro patrão, homem de excepcional inteligência, com a 4ª classe, uma capacidade de gestão brutal e um raciocínio como tenho assistido poucas vezes.

Todos estes, de uma maneira ou de outra, me ensinaram coisas fenomenais e até pessoas com quem me fui cruzando pela vida fora, até clientes, imagine-se, me deram lições que escolhi aceitar! Um tal Jorge Fialho que é administradoor, é das pessoas com mais classe que conheci até hoje e que, falando com ele pouquissimas vezes, me deu muito mais do que a oportunidade de fazer negócio com ele, deu-me duas ou três perspectivas das coisas, que nem indo ao espaço teria. Ainda hoje encontrei um tipo que o conhecia e, curiosamente tinha a mesmíssima opinião dele.

Estas pessoas, têm uma coisa em comum, todas sabem fazer trocos! (bonita ligação ao tema hein?!...quase nem se notou). Sabem porque usam um qualquer tipo de inteligência para o fazer. Seja lá a inteligência do tipo que seja.

Tenho assistido ao cair do interesse das pessoas por saber escrever e fazer as mais básicas operações matemáticas, com algum desespero, porque a estupidificação das pessoas me faz alguma comichão no escroto! Muita mesmo!

Ora aqui é que começa a minha relação com o troco, o qual tento sempre facilitar, e que os proprietários de 50 a 60 anos de idade, tipicamente imigrados para Lisboa das suas terras por não haver lá nada há 40 anos (e agora ainda menos), agradecem. Isto não tem que ver com faixa etária mas, há que dizê-lo com frontalidade, a minha geração e a mais nova sublimaram na idiotice a um ponto que não pensei possível. Os que vieram de rampa por aí abaixo, tiveram de se fazer à vida e, para se governarem sem mesadas dos papás, só dava mesmo sabendo fazer trocos.

Uma coisinha que me custou 6,15€, e que pergunto se 1€ e 20 cêntimos ajudavam, para que me dêm uma moeda de 5 cêntimos e 15€ em notas por ter pago com uma nota de 20€, recebe logo a resposta. “Para quê?”

Explico, com calma, que assim guarda mais moedas para os trocos complicados, é-me explicado que o estou a confundir. Páro. Ele fica com uma cara de quem estava prestes a ser burlado, desconfiado de mim. Fecha a caixa, abre de novo e recomeça o troco duplicando o registo que “depois acerto isto”. Duvido! Se esta besta bípede não sabe fazer um troco em condições, ele sabe lá acertar o que quer que seja depois disto. Coitado… não é caso único.

A outra rapariguita diz que cada gelado é 1,60€… são pedidos 2 gelados. Não há ali uma calculadora à mão… coitada… uma tragédia que não lhe aconteceu no secundário em matemática. Não há cábulas ali há mão. Raisparta mais a isto. Pensa, pensa, pensa… diz “Dois e… dois e… Ora, dois, meio, sessenta..três…” Olha como que a suplicar ajuda e é ignorada! Ao fim de quase um minuto lá balbucia “Três e vinte” depois de fazer a conta na máquina e com um ar de alívio que ficamos quando sabemos após um exame no hospital que não há valores fora do normal. É morena, nem essa desculpa pode usar.

A última que refiro, foi entrevistada, estava no desemprego. Tem 12º ano. Tem Universidade em Jornalismo…foi para lá fugir da matemática porque achou que nunca mais a encontraria. Nunca apanhou o José Fonseca Mendes, o tal da 4ª classe que falei lá atrás, se não já sabia, não apanhou o Jorge Fialho se não sabia que não se podia demitir de fazer algo sem mais nem menos… Dá-se-lhe o voto de confiança para começar a trabalhar. Pode agarrar-se a isto com unhas e dentes e fazer pela vida aqui.

Começo a explicar-lhe o que fazemos e como fazemos. Digo que um acesso primário tem 30 canais. Logo 1 acesso tem…”30” diz ela… “Boa!” … penso eu…
“Assim sendo, 2 têm…?!?!”…e fico à espera… mas nada, fica com aquele ar de ananás mal plantado com rama em cima e tudo. Digo-lhe “60! Não é?... 2 vezes 30 igual a 60. Compreendeste?” Recebo o afirmativo sim com a cabeça apenas. As palavras custam a sair, ficou embaraçada de não ter percebido à primeira. “Não faz mal,” digo eu, “basta ires perguntando.”

Insisto apenas para seguir em frente e pergunto “Quantos canais têm 4 primários? Basta pensares que são 30*4, ou, podes até pensar em 3 vezes 4 e acrescentar um zero à direita…” Fica vermelha, azul, verde e roxa mas dali não sai nada quando de repente abre a boca sem fazer intenção apenas de respirar. Penso “Fez-se luz!!!” Ouço a resposta meio atordoado como se tivesse levado uma marretada nas mãos.

“Não sabia que precisava de saber a tabuada para este trabalho!”

Coitada. Saiu ao fim do dia, não atendeu o telefone e mandou um SMS dois dias depois a dizer que não vinha mais trabalhar. Não fosse eu perguntar qualquer coisa que envolvesse fazer trocos ou assim ao telefone estragar-lhe a semana. Se esta tivesse aberto roços com o Zé Maria, fosse mana do Chicha, sobrinha da Titina, isto não acontecia, levava porradinha até saber…

Canela

Armação de Pera, 5 de Abril de 2010

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